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A transição energética justa, inclusiva e popular já é realidade na Vila Limeira, comunidade de 90 pessoas, localizada à margem do Rio Purus, a 853 km de Manaus, no Amazonas. Com a instalação da minirrede de energia solar fotovoltaica, Vila Limeira ficou conhecida na região como um modelo que deu certo e carrega o título de a primeira comunidade do sul do Amazonas com energia 100% solar. Mais do que isso: a comunidade se tornou testemunha do impacto positivo que a energia tem sobre o desenvolvimento econômico e social das pessoas.

Se antes a comunidade tinha apenas três horas diárias de energia a gerador de diesel, atualmente são 24 horas de fornecimento em casa e nas ruas da vila. E muita coisa mudou, a começar pela iluminação noturna constante. A energia trouxe também melhora para a saúde e o estilo de vida no local, com o uso de geladeiras para conservar alimentos nos quais antes se adicionava grandes quantidade de sal (para que durassem mais), e oportunidades de desenvolvimento, como estudar mais e poder cursar faculdade à distância.

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“Hoje temos oito pessoas da nossa comunidade cursando faculdade, quatro mulheres e quatro homens. Esses estudantes saíram da nossa escola comunitária”, comemora o professor Aldo Junior Oliveira de Godoy. “Temos água na torneira e podemos tomar banho nas nossas casas. Os mais jovens estão acessando a universidade. Energia é o meio de desenvolvimento”, conta o pastor Gilase Oliveira. Ele lembra que antes, “a gente gastava 10 litros de diesel para ter eletricidade três horas por noite. Custava R$ 100 cada hora. Por ano, cada família pagava R$ 5 mil, hoje paga R$ 720 por ano, dinheiro que vai para um fundo da comunidade”. Como não há mais custo para gerar a energia, os moradores verificam mensalmente o consumo de suas casas e depositam o valor em um fundo comunitário, que planejam aplicar na manutenção e expansão da própria rede.
 

O projeto Vila Limeira 100% Solar surgiu de uma iniciativa conjunta da Apavil – Associação dos Moradores da Vila Limeira e do WWF-Brasil, com apoio da Fundação Charles Stewart Mott e autorização do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Em agosto de 2021 a usina solar foi inaugurada. Na Vila Limeira, todas as casas, a escola, o centro comunitário e a maioria das atividades produtivas acontecem muito próximas. Por isso, optou-se por projetar e implantar uma minirrede off grid, conhecida no Brasil como Microssistema Isolado de Geração e Distribuição de Energia Elétrica (MIGDI). Somando todas as demandas energéticas locais, concluiu-se que uma usina solar de 30kWp seria suficiente para as expectativas comunitárias. O sistema foi projetado com equipamentos e uso de tecnologia no estado da arte, incluindo banco de baterias de lítio, com durabilidade de 15 anos e medidores individuais digitais em todas as unidades consumidoras.
 

Aurélio Souza, engenheiro da UsinAzul que desenhou a minirrede da Vila Limeira, conta que o sistema foi projetado considerando a demanda daquela época, mas já prevendo uma folga por conta da projeção de crescimento, em função da demanda reprimida de quem não tinha energia.

“A gente sabe que existe um desejo muito grande por ter aparelhos eletrodomésticos. Quando começamos a planejar o tamanho e a capacidade do sistema de Vila Limeira, fizemos o levantamento de carga que existia naquela época e uma projeção de crescimento. Três anos depois, o sistema ainda dá conta do que é demandado de energia e todo mundo tem eletrodomésticos em casa”, explica Souza.

Isso evidencia que a experiência da usina solar na Vila Limeira tem potencial para se tornar política pública para pessoas que vivem na floresta e estão desconectadas do sistema elétrico brasileiro. Segundo estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), estima-se ser necessário um investimento entre R$ 7,2 e 38 bilhões para atender ao objetivo proposto no Programa Luz para Todos (LpT) de levar energia elétrica para quase um milhão de pessoas que ainda vivem sem energia na Amazônia Legal.

Para Alessandra Mathyas, analista de conservação do WWF-Brasil, o caso da Vila Limeira traz uma solução para os povos distribuídos na floresta, e que seguem isolados dos sistemas elétricos brasileiros. “Pode ser escalável, desde que sejam observadas as diversidades dos territórios, sem a necessidade de mudança na estrutura física de cada construção de uma comunidade, principalmente daquelas onde a vida comunitária acontece muito próxima e mantendo a usina a uma distância segura, com moradores treinados para a manutenção e leitura de medidores.”

Em 2021, a Vila Limeira tinha 20 famílias, e 80 pessoas. Depois da chegada da energia, chegaram mais cinco famílias. A comunidade começou a ser formada em 1958, quando três irmãos saíram da Paraíba para formar a mão de obra dos seringais amazônicos e povoar a região, política de desenvolvimento do estado brasileiro à época. Hoje, a comunidade é formada pelos descendentes dessas pessoas pioneiras e aquelas que se juntam às novas gerações e entram para a família. A comunidade extrativista vivia da agricultura praticamente de subsistência até 2021, com produção de mandioca e seus derivados, açaí, castanha e tentou criar gado e plantar cana. Hoje, trabalham para recuperar a área de pasto e canavial em sistema agroflorestal, restaurando com açaí e outras espécies nativas. Para isso, já estão trabalhando com viveiro de mudas para a comunidade e vizinhos.

Com as mudanças no cotidiano e na vida das pessoas da Vila Limeira, a comunidade já coloca novos planos de desenvolvimento comunitário em prática, tendo o uso da energia como um pilar social e econômico. Segundo Gilase, a comunidade quer dobrar o número de módulos solares (placas) para incrementar a produção de açaí para comercialização. Hoje, são produzidas cinco toneladas por ano. A expansão é pensada para subir a produção para 60 toneladas por ano, envolvendo inclusive a produção de comunidades vizinhas.
 

“Já plantamos 40 mil mudas de açaí, andiroba e ingá num sistema agroflorestal que vai recuperar uma área de pastagem que tentamos, mas não foi uma boa escolha. Atrapalhou a terra. Agora vamos recuperar nesse sistema [de agrofloresta]”, explica Gilase.
 

A comunidade sempre participou de todo o processo, desde a instalação até o monitoramento e gestão do consumo de energia. As pessoas foram responsáveis pelas obras físicas de estrutura e foram treinadas para fazer a manutenção do sistema, além de monitorar a geração, o consumo e o carregamento de baterias. “Saber quanto é gerado e controlar o consumo é importante para a durabilidade e sustentabilidade do sistema e bem-estar de todos”, conta o pastor Gilase.

A manutenção da rede ficou ao encargo de dois moradores, que acompanharam toda a instalação e foram treinados para as manutenções necessárias. A usina solar possui uma casa de controle, onde estão os equipamentos: conversores, controladores, baterias e relógios ficam centralizados em um ambiente adequado e seguro, longe de possíveis inundações. “Era um sonho que sabíamos ser difícil. Hoje vemos que foi possível realizar, junto com toda a comunidade e parceiros. Temos novos planos, de desenvolvimento e geração de mais bem-estar para toda a comunidade”, conta Jonas Nogueira de Oliveira, morador e responsável pela gestão e manutenção do sistema solar da Vila Limeira.
 

O acesso à Vila Limeira é complexo, como a todas as vilas e comunidades que estão dentro da Reserva Extrativista Médio Purus. Fica localizada, em média, a 8 horas de lancha da cidade de Boca do Acre (Amazonas), mas, no período de seca, como agora, o trajeto pode chegar a 15 horas. A Resex tem 89 comunidades com energia do programa Luz Para Todos, mas nove ainda vivem do gerador a diesel, poluente e caro. Da vila até a capital do estado só é possível ir de barco, pelos quase 900 quilômetros.

Mudança de concessionária no Amazonas

Atualmente, o fornecimento de energia no Amazonas é um dos mais problemáticos no Brasil. Dos 62 municípios do estado, há pessoas sem energia em todos eles, principalmente os que moram em áreas rurais, unidades de conservação e terras indígenas. No dia 12 de junho deste ano a Presidência da República publicou a Medida Provisória 1.232, que determina a troca de controle da concessionária do estado, a Amazonas Energia, que está falida. Na MP, o Ministério de Minas e Energia (MME) permite a troca de controle mediante flexibilização de parâmetros de eficiência que serão pagos pela CCC (conta consumo de combustíveis fósseis).

A nova empresa terá de “realizar levantamento periódico das necessidades energéticas individuais e coletivas de regiões isoladas e remotas, mediante Consulta aos Usuários e articulação com os órgãos governamentais e instituições não governamentais que atuam nas áreas de proteção ambiental, terras indígenas e territórios quilombola, para fins de insumo às ações de planejamento do atendimento às localidades junto ao Poder Concedente”, informa Termo Aditivo ao qual a nova concessionária deverá submeter à aprovação da Aneel. O Plano de Ação Multidisciplinar que a concessionária fizer deverá visar a redução estrutural dos custos da Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis, ações de eficiência e inclusão energética no Estado do Amazonas.
 

Sobre o WWF-Brasil: WWF-Brasil é uma ONG brasileira que há 28 anos atua coletivamente com parceiros da sociedade civil, academia, governos e empresas em todo país para combater a degradação socioambiental e defender a vida das pessoas e da natureza. Estamos conectados numa rede interdependente que busca soluções urgentes para a emergência climática.

Diretor de Jornalismo | MTB 1697/AM | E-mail: jornalismo@remador.com.br Especializado em Política com cobertura dos bastidores da polítca no Amazonas.

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