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Por Guilherme Gama*

Entre 2023 e 2024, o Brasil passou a ocupar uma posição de segundo país com mais ataques cibernéticos no mundo. Em apenas doze meses, mais de 700 milhões de tentativas de invasão digital foram registradas, o que equivale a 1.379 ataques por minuto, segundo o Panorama de Ameaças para a América Latina 2024. 

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Esses números mostram só a superfície do problema. Por trás deles existe a chamada cifra oculta/negra: golpes e invasões que nunca chegam ao conhecimento das autoridades, isto é, subnotificados. Seja por vergonha de as pessoas admitirem que caíram em armadilhas virtuais, ou por medo de exposição pública.

O pior de tudo isso é que os criminosos digitais sabem disso. Eles exploram todas as lacunas com uma agilidade impressionante. Malwares, como um e-mail falso que imita o banco da ví-tima, um link enviado por mensagem de texto, uma página clonada em uma rede social… Em minutos, dados pessoais são capturados, senhas são quebradas e valores desaparecem em transferências pulverizadas para contas de terceiros, vulgarmente chamados de laranjas.  Mui-tas vezes, quando o cliente percebe o golpe, o dinheiro já cruzou fronteiras digitais, passando por criptomoedas ou por servidores hospedados em outros países, o que dificulta substancial-mente a apuração dessas condutas pelos órgãos de persecução penal.

Enquanto isso, o Estado assiste a essa corrida em clara desvantagem. Hackers operam com softwares sofisticados, inteligência artificial e infraestrutura internacional, ao passo que muitas delegacias brasileiras ainda funcionam com sistemas arcaicos, poucos investigadores e recursos escassos. O crime digital é veloz, criativo e escalável. O Estado, lento, burocrático e fragmen-tado. A soma desses fatores faz com que a sensação de impunidade só aumente.

Cada golpe bem-sucedido incentiva o próximo. Na internet, o efeito dominó é brutal: um úni-co ataque pode ser replicado milhares de vezes em questão de minutos. Sem punição rápida e eficiente, o ciclo se repete, alimentando a criminalidade e desgastando a confiança da socie-dade em serviços financeiros e no comércio eletrônico. O impacto? Bilhões de reais evaporam em prejuízos que afetam bancos, fintechs e empresas de todos os portes.

Mesmo diante da repetição diária desses crimes, a resposta ao problema tem sido previsível: novas leis penais. A Lei 14.155/2021, que criou a figura da “Fraude Eletrônica”, foi um marco simbólico ao reconhecer a realidade do cibercrime, mas não resolve o problema. Ela é genérica, depende de interpretações subjetivas e atua apenas de forma repressiva. É como trancar uma porta que já está aberta. 

Essas pseudossoluções podem transformar o Direito Penal em um espetáculo midiático, multi-plicando normas e penas severas sem efetividade prática denominada prevenção geral positiva. Em contraste, hackers continuam explorando a velocidade da internet e a lentidão da burocra-cia.

O combate ao crime cibernético exige uma mudança de estratégia. Não basta reagir com leis mais severas. O criminoso virtual não deixará de praticar o delito exclusivamente porque agora o patamar da pena é maior. É preciso estruturar o Estado e mobilizar toda a sociedade. Isso significa investir em tecnologia avançada, treinar equipes especializadas, orientar constante-mente a população e criar unidades permanentes de investigação digital. 

Com efeito, a qualidade dessas investigações deve começar nos critérios de seleção exigidos nos editais de concursos públicos para carreiras da polícia civil. Diante da nova dinâmica desses novos delitos, o perfil dos policiais que irão lidar com a investigação também deve observar essa nova estrutura criminológica, selecionando profissionais que tenham maior aderência com as ferramentas tecnológicas e segurança da informação.

Indo um pouco mais além, poderíamos pensar, inclusive, na criação legislativa de uma causa de diminuição de pena – ou mesmo o seu perdão – ao cibercriminoso que auxiliasse a polícia a melhor compreender as complexas estruturas dessas fraudes, assim como os mecanismo de engenharia social frequentemente empregados nesse contexto.

Hoje, existem poucas delegacias especializadas nos grandes centros urbanos, enquanto muitas outras regiões do país permanecem desprotegidas. Essa lacuna também faz parte do problema, pois ajuda a permitir que golpes complexos desapareçam sem deixar rastros. A dificuldade cresce ainda mais quando os criminosos utilizam servidores internacionais, obrigando o Brasil a depender de cooperação internacional lenta e burocrática. 

É preciso entender que a iniciativa privada também ocupa importante posição nessa batalha. Bancos e fintechs são a primeira linha de defesa, porque são capazes de identificar movimentações suspeitas e bloquear recursos antes que desapareçam. Com a cooperação ativa do CO-AF, Banco Central e da Polícia Federal, é claro. 

Cada minuto conta. Ao mesmo tempo, empresas de tecnologia e comércio eletrônico precisam revisar protocolos de segurança, monitorar padrões de comportamento e educar seus clientes para reduzir riscos. Afinal, um sistema é tão seguro quanto o seu elo mais fraco.

O impacto social vai muito além das perdas financeiras. A confiança no ambiente digital é um ativo nacional transfronteiriço. Quando cidadãos deixam de confiar em aplicativos bancários, em compras online ou em meios de pagamento eletrônicos, toda a economia digital desacelera. O prejuízo atinge empresas, consumidores e a própria credibilidade do país em inovação e se-gurança.

A segurança digital hoje é questão de sobrevivência institucional e econômica. O Brasil precisa transformar prevenção e inteligência em prioridade nacional, ou seguirá sendo vitrine para cri-minosos e laboratório para novos golpes, multiplicando prejuízos que já somam bilhões.

Leis são só uma parte da solução, insuficientes diante da complexidade de uma realidade mo-vida por tecnologia avançada e inteligência artificial. Enxergar o crime digital como responsa-bilidade exclusiva do Legislativo é simplista e ingênuo. É preciso ação coordenada, inovação constante e compromisso real de todos os setores para, enfim, virar esse jogo.

*Guilherme Gama Santos é advogado criminalista, professor de Direito Penal, especialista e mestre em Direito Penal e Processual Penal e pós-graduando (Latin Legum Magister) em Di-reito Penal Econômico pelo IDP

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